REFLEXÕES SOBRE AVALIAÇÕES....
- jhiroshi
- 6 de mar. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 23 de nov. de 2023
Fiz uma “consultoria” uma vez a pedido de uma profissional que quis compartilhar o caso e discuti-lo para um segundo parecer, o assunto era para avaliar uma avaliação neuropsicológica de um adolescente com alterações cognitivas e psicológicas em um SAICA (antiga nomenclatura para designar Orfanato). Na avaliação constava declínio cognitivo elevado realizado através do teste chamado WISC IV, no laudo também constava uma entrevista brevê do comportamento atípico e agressivo, dispersão de atenção focada e outros sintomas subsequentes que surgiu neste adolescente, que no caso não irei aprofundar.
Conhecia o indivíduo e bem o seu histórico, vinha de lar sem estímulos, muita agressão familiar, ausência escolar e se colocava em risco nas ruas por evitar voltar para casa. Criava confusão com os moradores locais o colocando em risco de sofrer agressões externas. A família não o queria de volta alegando não ter condições de aguentar o comportamento inadequado e tão pouco auxiliar em sua melhoria, delegando a responsabilidade ao equipamento público.
Dentro do abrigo, procurou seu refúgio, usava de brincadeira de mãos um tanto violento, achava graça em provocar outras crianças e os profissionais que ali trabalhavam. Nos estudos, não acompanhava, era analfabeto e tinha dificuldade das associações de letras e sua fonética. Percebia uma certa agressividade em suas rotinas que precisavam ser canalizadas em atividades que lhe proporcionasse uma autoestima, mas geralmente era depreciado por profissionais engessados, ortodoxo e para piorar assistencialistas.
Com o tempo, notou que novamente estava em um ambiente hostilizado, tal como era sua casa, preferindo estar com seus familiares do que quem os achava inicialmente que poderia lhe dar um lar. Tornou-se então agressivo, opositor e começou a criar confusão com todos ao ponto de ser encaminhado a um psiquiatra que o medicou com Ritalina (não sei sua dosagem), o comportamento foi sedado temporariamente, passou a ter episódios atípicos, muita sonolência e alguns momentos de raiva incontrolável quando provocado (era provocado).
Voltou aos comportamentos agressivos, chorava bastante e seguiu-se para uma avaliação neuropsicológica afim de documentar seu estado para mais um encaminhamento para um tratamento psiquiátrico ou a possibilidade de um encaminhamento para outro abrigo, deferindo ausência da culpa dos profissionais que ali o tratavam e definiam tratar do que havia no laudo do adolescente, motivo esse devidamente realizado que definia com quem estavam lidando.
Geralmente encaminhamento escolar para avaliação psicológica deve-se tomar muito cuidado, porque também se sugere que caso se comprove que a criança tem alteração psicológica e cognitiva, os professores se ausentem nas tentativas de ensinar a criança por alegar que tem esse sujeito tem problema e não precisam insistir. É preciso um psicólogo competente para essa mediação, entre os responsáveis e a escola, não se trata apenas de entregar um laudo e seus encaminhamentos.
Faltou sensibilidade, estudo de caso, parcerias com a rede, capacitação profissional, uma avaliação mais honesta realizada pelos profissionais que ali trabalhavam dentro do abrigo para entender a complexidade do caso, ao invés permitir e aceitar sob perspectiva superficial de quem faz uma avaliação ou um tratamento psiquiátrico e não conhece o caso a fundo.
Uma avaliação neuropsicológica necessita de uma a duas entrevistas, a aplicação de dois testes, um cógnito para avaliar alterações nas funções: percepção, atenção, memória, linguagem e funções executivas e outra na personalidade, justamente para buscar alterações significativas do que por vezes se “camufla” na entrevista e sequencialmente entregar o laudo na devolutiva, fazendo os possíveis encaminhamentos e orientando os responsáveis ou a família.
O que se vê de fato, são avaliações focadas unicamente no teste cognitivo, no casso da criança usaram o teste WISC-IV que é mais voltado a um público acadêmico, crianças do processo escolar em andamento, que podem apresentar algum resultado mais fidedigno. Não se usa um teste desse, em um adolescente não alfabetizado e com ausência de estímulos em sua trajetória de vida, talvez se use um WAIS, considerando que também vai aparecer alterações significativas nos resultados.
Outra parte de extrema (essencial) importância é a entrevista, é possível mapear e resinificar muito do indivíduo entrevistado, obviamente é de suma importância uma boa escuta clínica que não se adquire com um recém-formado na área, leva-se meses, até anos para refinar a habilidade, logicamente mesclado aos estudos e as formações acadêmicas que jamais cessaram.

Retornando ao raciocínio do laudo neuropsicológico do adolescente, pouco houve a intenção de ouvir essa criança, tão pouco avaliou que tipo de teste era necessário aplicar em decorrência ao seu histórico de vida. Lamentavelmente é um documento que definiu erroneamente o perfil desse indivíduo.
Não necessariamente podemos incluir apenas a avaliação neuropsicológica, podemos aceitar que a avaliação psicológica em si também tenha seus agravantes no modo como se faz o processo. Temos um público ávido por avaliações que carecem de resultados quase imediatos, desejando por laudos de um dia e que apresentem os resultados que acham tê-los. Banalizou-se as avaliações psicológicas...
Operações bariátricas de um cidadão que pesou seus 160 quilos para uma redução de estômago e que está para mudar totalmente seus hábitos alimentares pela vida toda, mas o que fez chegar a esse peso? Quais os gatilhos que o faziam se alimentar dessa forma, a diminuição do prazer de se alimentar cria outros tipos de “muletas”, o que seriam então? Nota-se então que uma avaliação psicológica para utilizar para a cirurgia tem um peso dantesco.
Finalmente orientei a profissional que tal laudo não tinha sustância e faltava a avaliação dos profissionais do abrigo que pouco retratou verdadeiramente a história de vida da criança, pouco houve discussão, estudo sobre o que fazer, sendo mais fácil deixar que um laudo fizesse seu curso frente a encaminhamentos sombrios. Que cidadão é este que colocaremos no mundo?
Infelizmente a sociedade capitalista fez surgir profissionais pouco gabaritados, mercenários talvez? O Conselho Regional de Psicologia adverte de não citarmos outros profissionais, meus colegas da forma como fazem deixando isso a cargo deles realizarem essa investigação.
Felicito colegas psicólogos (as) que lutam para que essa história não seja construída dessa forma, que realmente façam o diferencial na vida de seus paciente, é o que eu realmente desejo....
Autor: José Hiroshi Taniguti





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